Lembrar é viver, diz um velho ditado popular. E ao me recordar de meu longínquo passado informático me fez relembrar desse microcomputador fazendo-me refletir que a ascensão dos modelos IBM PCs não foi assim tão boa para a informática domestica, pelo menos não para os países em desenvolvimento. A intenção da empresa era só pegar carona no sucesso da Commodore, Atari, Apple, e Tandy.
1982 o IBM PC (IBM 5150) já tinha um ano e custava uma pequena fortuna. Tirando a classe média dos EUA, somente empresas, e pessoas abastardas, de outros países tinham condições de compra o tal Personal Computer. Ele era muito caro, e não representava muito beneficio em relação ao que havia no mercado até então. A não ser para grandes corporações que trabalhasse com grandes volumes de dados.
Mas na Inglaterra um senhor lançava o ZX Spectrum. Um computador que virou um mito na história da microinformática. Este senhor chamava-se Cliver Sinclair. Com o nome original de ZX82, a máquina foi rebatizada com este nome por ele de modo a realçar o fato deste computador produzir imagens a cores em vez do tradicional preto e branco; como acontecia com os modelos anteriores da Sinclair, o ZX80 e o ZX81.
O projeto de hardware foi feito por Richard Altwasser da Sinclair Research e o software (em ROM) foi escrito por Steve Vickers por contrato para a Nine Tiles Ltd, os autores do Sinclair BASIC. O responsável pela aparência final do Spectrum foi o designer industrial Rick Dickinson da Sinclair Research.
Hardware: O micro original vinha com um processador de 8 bits (Zilog Z80A de 3,50 MHz). 16KB de ROM mais 16KB ou 48KB de RAM. Um interpretador BASIC (Sinclair BASIC). Som “buzer”. E um teclado de 40 teclas flexível, o famoso teclado chiclete. Barramento Z80. Seu sistema de armazenamento era um gravador de fita K7. Era ligado a TV por uma saída RF. Reproduzia 15 cores mais brilho em 256x192 pixels, 32x24 em modo texto.
Vídeo: A imagem gerada pelo Spectrum era guardada em memória logo a seguir ao fim da ROM, ou seja, a partir do byte 16,384. O bitmap ocupava 6 Kbytes (6144) e eram usados mais 768 bytes (32x24) que continham codificada a informação para cor, brilho e flash. Esta estratégia de ter uma resolução de cor diferente da resolução de pixeis conduzia a alguns efeitos bizarros, que eram conhecidos por choque de atributos. Entretanto, isso foi necessário para acomodar um bitmap de 49152 pontos em 6K de memória, que de outra forma ocupariam toda a RAM disponível.
A ausência da ligação para monitor é algo incompreensível, mesmo considerando que o Spectrum foi desenhado para ser o mais barato possível. Sabendo que os sinais de vídeo necessários até se encontravam presentes no conector de expansão a existência de uma saída RCA ou DIN teria custado apenas mais uns cêntimos por computador, e produziria uma imagem de qualidade muito superior. Parece que isto demonstra alguma falta de confiança da Sinclair quanto ao futuro que sua invenção poderia ter fora do mercado doméstico.
O primeiro microcomputador com cores foi o Atari 400/800 de 1977, mas ele exibia-as através de um co-processador, o ANTIC. O primeiro a não necessitar de recursos exteriores foi o Apple II Plus de 1979. Em 1982 o PC para reproduzi-las precisava de uma placa especial - CGA - e um monitor idem, um sistema bem mais complicado que o da Atari e Apple. E isso tudo para fazer à mesma coisa o que o ZX Spectrum e outros micros de 8 bits fazia.
Teclado: Provavelmente o fator mais original do Spectrum era o seu teclado de 40 teclas. Que era composto por uma placa de borracha flexível onde estavam moldadas teclas salientes com um formato muito semelhante ao de um chiclete, daí o termo teclado chiclete.
Esta placa assentava diretamente sobre uma membrana plástica onde existiam pequenas bolhas, cada uma delas com um contacto elétrico na parte superior e outro na inferior. Quando se pressionava em uma tecla a bolha era comprimida e os dois contatos tocavam-se. Esta membrana - e principalmente - as fitas que a ligavam à placa do Spectrum, eram algo frágeis e eram responsáveis por para quase todas as avarias apresentadas por ele.
Outra característica única era o fato de cada tecla não ser simplesmente uma letra, símbolo ou número, mas também as palavras chave (keywords) do Sinclair BASIC. Cada tecla, através da utilização das teclas de Shift produzia pelo menos 3 palavras-chave, além dos caracteres maiúsculos e minúsculos.
Este aspecto era bastante criticado, mas apenas por aqueles que não tinham muita experiência na sua utilização. Afinal, o que demora mais tempo, carregar na tecla T ou escrever RANDOMIZE. O fato de não existirem teclas de cursor separadas (o efeito era obtido com CAPS SHIFT + 5, 6, 7 ou 8) nem tecla de apagar (CAPS SHIFT + 0) eram críticas mais válidas, e que eram resolvidas praticamente em todos os teclados de substituição que foram desenvolvidos.
Periféricos: Seus periféricos era uma ZX interface 1: Que tinha entrada para até 8 ZX Microdrives (um drive de fita magnética que no decorrer do tempo ia perdendo a eficiência). Duas portas para a rede ZX Network e uma porta RS-232 onde era conectada a impressora ZX Printer (que usava um papel revestido de alumínio que era impresso por um fusor térmico que deixavam um característico cheiro de queimado no ar), Além de acessórios de outras empresas como a Interface Kempston para joystick padrão Atari 2600. Havia também a ZX Interface 2 com 2 portas para joystick, e “slot” para cartuchos.
Você poderia achar isto uma grande “roubada”, mais em 1982 ele era mais poderoso do que o IBM PC. Para fazer o que ele fazia o PC ficaria muito caro, em quanto o ZX Spectrum era vendido na Europa e em outros lugares como um eletrodoméstico normal.
Ele foi evoluído no decorre dos anos, para modelos mais sofisticados e com novas funcionalidades, algumas para sanar certos defeitos de seu funcionamento como os: ZX Spectrum Plus (1984), ZX Spectrum 128K (1986) desenvolvido pela empresa espanhola INVESTRONICA. Além dos modelos lançados pela Amstrand depois de comprar a Sinclair: ZX Spectrum 128K +2 (1986), ZX Spectrum 128K +3 (1987), ZX Spectrum 128K +2A/B (1987).
Havia também os clones desenvolvidos com e sem o aval da Sinclair como os: ATM e Pentagon da Rússia. Timex Sinclair 2048 e 2068 de 1983 dos EUA. Unipolbrit 2086 de 1986 da Polônia e os Microdigital TK90X e TK95 fabricados no Brasil em 1985 e 1986 respectivamente.
Mas vamos ao objetivo deste artigo, vou falar sobre o TK90X fabricado pela Microdigital Eletrônica; ele foi lançado em julho de 1985 e devido ao baixo preço, simplicidade, e a quantidade imensa de programas e jogos, foi um sucesso imediato. Durante um tempo foi o desejo de muitos.
Ele tinha as mesmas especificações do ZX Spectrum, mas construído com o “zeloso” jeito brasileiro. Havia uma pequena modificação na ROM do sistema o que deixava com compatibilidade limitada ao seu irmão inglês. Além de melhoramentos no hardware e uma curiosa caneta (Light Pen).
Software: Foram inseridos na ROM os comandos UDG, que possibilitava inseri caracteres acentuados do português e do espanhol, e o TRACE, para fazer operações de “debug”. As modificações da ROM que permitiram transpor o sistema do ZX Spectrum para o TK90X foi feita em uma sala da Microdigital por apenas três programadores em linguagem Assembler. Não sei se isso era sinal de competência ou penúria
Na época de lançamento o projeto ainda não tinha um nome oficial e se chamava "projeto arco-íris". No mesmo período eles traduziram vários programas existentes do inglês para o português e espanhol, que depois foram vendidos na Argentina.
Hardware: Além dessas modificações na ROM, ele já trazia embutidas a porta RS-232 e a entrada para joystick de 9 pinos padrão Atari 2600. O que invalidava em parte a utilidade das interfaces da Sinclair que também foram clonadas pela Microdigital. Havia dezenas de periféricos bem mais úteis, mais sua produção era em pequena escala o que os tornava muito caros e bem raros de se acha no mercado
Isso deu margem há alguns fãs e empresas pequenas a fazer hardwares para ele no decorrer da década de 80. Muitos deles eram para sanar as limitações, e para tornar os computadores mais compatíveis com as novas tecnologias que se barateavam no transcorrer dos anos. O suporte a disquetes desenvolvido pela Cheyenne Advanced Systems (Beta 48) foi um dos primeiros sistemas desses.
O preço: O TK90X custava na época de seu lançamento o valor de Cr$ 1.749.850, enquanto o salário mínimo neste mesmo período era de Cr$ 333 mi. Não era para um assalariado, então já imaginou o preço de um IBM PC compatível na época?
Ele foi um sucesso de vendas, mas tinhas limitações como seu irmão inglês, a principal era seu teclado de 40 teclas. Em 1986 a Microdigital lançava o TK95 para sanar algumas destas limitações. O gabinete foi remodelado e o teclado substituído por um semi-profissional de 57 teclas, o que o tornava parecido com o Commodore Plus/4. Além de ser feitas pequenas modificações na ROM para que o TK aceitasse softwares originais do ZX Spectrum.
Mas este modelo não fez muito sucesso, pois já havia começando a ascensão do MSX. O próprio “irmão mais velho” deste sofre grande revés a partir de 87 decaindo em muito suas vendas, e levando o golpe final com a chegada dos primeiros IBM PCs 386 ao Brasil.
Os micros TK90X e o MSX foram os responsáveis por uma onda de entusiastas, programadores e de engenheiros que tomou conta do Brasil nessa década. Havia malucos que transmitia softwares por radio amador, uma versão “oitentista” da internet. Tirado as devidas proporções o fenômeno foi parecido com o movimento “hobista” dos EUA na década de 70 que nos legou Apple, Microsoft e muitas outras.
Revistas e sites especializados: Uma das grandes divulgadoras dos micros 8 bits, principalmente do Spectrum e do MSX, foi a revista Micro Sistemas da ATI Editora Ltda. Era um sucesso editorial nessa época. Pode ser considerada a primeira revista desse tipo no país. Atualmente indico o Clube do TK90X, Cantinho do TK90X, TK-Wiki e Datassete para os saudosistas, assim como eu, dessa era de ouro da computação.
Emulação: Quem quer usar um, mas não têm paciência para procurar um para comprar ou não participou dessa faze e quer ver como o “bicho funciona”, a emulação é a solução. Há alguns programas que emulam o ZX e até o TK90X. Um que indico é o Fuse. Com ele dá até para configurar para tocar o inesquecível som da fita carregando; o que para alguns é uma lembrança dos bons tempos. Existe gosto para tudo nesse mundo.
Apesar de a IBM ter se apossado do nome PC (Personal Computer) os verdadeiros computadores pessoais foram os Atari de 8 bits, TRS 80, Commodore, MSX e o ZX Spectrum. Estes é que iniciaram o desejo pela maioria de ter um computador em casa, e a paixão pela programação. Eles já na década de 80 faziam coisas - e a um preço baixo - que os PCs só fariam na década seguinte.
Se durante anos tivemos problemas com o monopólio da Microsoft e a fraca penetração da informática em países pobres, se deve única e exclusivamente a ganância de IBM em tentar tira proveito da revolução dos micros iniciada em grande parte pela Apple e esses computadores de 8 bits.
Eu havia prometido que não escreveria ou atualizaria textos grandes, mas ficou quase impossível não fazê-lo neste aqui devido ao volume de informações, e eu não queria dividi-lo em partes. Pelo menos daqui em diante tentarei não escrever tanto. Assim espero.
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